Vencedora do Oscar de Melhor Atriz por “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”, a musa de Woody Allen faleceu no dia 11/10, aos 79 anos, em decorrência de uma pneumonia. Keaton brilhou como atriz, desafiou convenções sociais e revolucionou a moda com seu estilo único, fazendo dela um ícone, dentro e fora das telas.
Nascida em Los Angeles (Califórnia), em 5/1/1946, Diane Keaton despontou nos anos 1970 como uma das atrizes mais marcantes da Nova Hollywood em filmes como “O Poderoso Chefão”, “O Poderoso Chefão – Parte II” e nas comédias de Allen. Com mais de cinco décadas de carreira, ela foi ainda um símbolo de independência feminina e estilo.
Filha de um engenheiro civil e de uma fotógrafa, Keaton entrou aos 19 anos na Neighborhood Playhouse School of the Theatre, em Nova York. Em 1968, entrava para o elenco da montagem teatral de “Hair”, musical que foi um fenômeno na Broadway, e no ano seguinte fazia sua estreia no cinema, com “As Mil Faces do Amor.
Em 1969, atuou em mais uma peça na Broadway — “Sonhos de um Sedutor” (“Play it Again, Sam”), escrita e protagonizada por Allen —, dando início a uma relação afetiva e profissional com o então comediante que mudaria sua vida para sempre (e com quem faria mais sete filmes) .
Seu primeiro longa-metragem de sucesso foi justamente a versão cinematográfica da peça, lançada em 1972, com Allen como protagonista e roteirista. No mesmo ano, Keaton encarnou Kay Adams, a esposa de Al Pacino em “O Poderoso Chefão”, papel pequeno mas importante que funcionava como centro moral num enredo predominantemente masculino. Ela voltaria a viver Kay nas duas continuações do clássico de Francis Ford Coppola, lançadas em 1974 e 1990.
Após a saga dos Corleones, Keaton demonstraria toda a sua veia cômica, sob a direção de Allen, em “O Dorminhoco” (1973), “A Última Noite de Bóris Grushenko” (1975) e “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (1977), que lhe rendeu o Bafta e o Oscar de Melhor Atriz, além do Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia ou Musical, entre outros prêmios.

Recheado de elementos autobiográficos, “Noivo Neurótico…” é sobretudo uma homenagem de Allen a Keaton, tanto que Annie Hall (título original do filme em inglês) leva o mesmo sobrenome da atriz na vida real. Keaton emprestou muito de seu charme, espirituosidade e nervosismo à Annie, além do seu inconfundível estilo pessoal, que misturava ternos, coletes e gravatas culturalmente atribuídos ao vestuário masculino. Com peças do próprio guarda-roupa de Keaton, o figurino de Annie marcou época, assim como “Noivo Neurótico…”, que levava ainda as estatuetas de Melhor Filme, Diretor e Roteiro Original na cerimônia do Oscar de 1978.
Keaton quebraria todas as expectativas em seus próximos filmes: “À Procura de Mr. Goodbar” (1977), retrato seminal de uma professora solitária à procura de encontros casuais, e “Interiores” (1978), primeira incursão de Allen na direção de uma produção essencialmente dramática (e de clara inspiração na obra de Ingmar Bergman).
Depois do romantismo de “Manhattan” (1979), um dos melhores filmes de Allen, a década de 1980 começava com um grande papel para Keaton — e sua segunda indicação ao Oscar de melhor atriz: a ativista e jornalista americana Louise Bryant, em “Reds” (1981), épico histórico dirigido, estrelado, produzido e coescrito por Warren Beatty, com quem a atriz viveu um romance.
Os anos 1980 seguiram com ótimos papeis dramáticos, em filmes como “A Chama que não Se Apaga” (1982), sobre um doloroso processo de divórcio, “A Garota do Tambor” (1984), baseado no best seller de John le Carré, e “Crimes do Coração” (1986), com Jessica Lange e Sissy Spacek.
Após uma participação mais que especial em “A Era do Rádio” (1987), também de Allen, Keaton voltou a estrelar produções mais leves, com destaque para “Presente de Grego” (1987), “O Pai da Noiva” (1991), “Um Misterioso Assassinato em Manhattan” (1993) — última vez em que foi dirigida por Allen —, “O Pai da Noiva 2” (1995) e o inesperado sucesso “O Clube das Desquitadas” (1996), em que brilhou ao lado de Goldie Hawn e Bette Midler.
No filme seguinte, “As Filhas de Marvin” (1996), Keaton levou o público às lágrimas no papel de Bessie, uma mulher que abdicou da própria vida para cuidar do pai doente até descobrir ser portadora de leucemia. Contracenando com Meryl Streep e Leonardo DiCaprio, ela recebeu sua terceira indicação ao Oscar de Melhor Atriz.
Sua quarta (e última) indicação ao prêmio da Academia de Hollywood viria na década seguinte, com “Alguém Tem que Ceder” (2003), que lhe valeu mais um Globo de Ouro de Melhor Atriz em Comédia ou Musical. No papel de uma dramaturga dividida entre os personagem de Jack Nicholson e Keanu Reeves, Keaton demonstrou com charme e inteligência toda a fragilidade e dores de amar na “melhor idade”.
O sucesso de “Alguém tem que Ceder” consolidou Keaton como alívio cômico, matriarca espirituosa ou senhora em busca de romance, em filmes como “Tudo em Família” (2005), “Loucas por Amor, Viciadas em Dinheiro” (2008), “Uma Manhã Gloriosa” (2010) — rivalizando de forma divertida com Harrison Ford —, “Um Amor de Vizinha” (2014) e “Hampstead: Nunca é Tarde para Amar” (2017).
Keaton seguiu trabalhando nos anos seguintes, com destaque para sua parceria com Jane Fonda, Candice Bergen e Mary Steenburgen na comédia “Do Jeito Que Elas Querem” (2018) e na sua continuação, “Do Jeito Que Elas Querem: O Próximo Capítulo” (2023), um de seus últimos trabalhos.

Versátil, ela fez algumas incursões na direção, que vão do documentário “Heaven” (1987), sobre a possibilidade de vida após a morte, passando por episódios para séries de TV (“China Beach”, “Twin Peaks”, “Pasadena”), até a fracassada comédia dramática “Linhas Cruzadas” (2000), que estrelou ao lado de Meg Ryan e Lisa Kudrow.
Fora do cinema, lançou o livro de fotografias “Reservations”, publicado pela primeira vez em 1980, e diversas obras de cunho pessoal, como “Then Again”, de memórias, e “Let’s Just Say It Wasn’t Pretty”, com conselhos e reflexões sobre a ditadura da beleza. E, em 2017, foi homenageada pelo American Film Institute (AFI) com o Lifetime Achievement Award, prêmio que celebra as contribuições dos maiores artistas da indústria de entretenimento norte-americana.
De espírito livre e avessa às convenções, Keaton nunca se casou — pretendentes não faltaram, de Allen a Warren Beatty e Steve Jobs. Al Pacino, por exemplo, já confessou publicamente seu arrependimento por não ter se casado com a antiga parceira de “O Poderoso Chefão”, que era apaixonada por ele. Após os 50 anos, ela adotou dois filhos que criou sozinha: Dexter, hoje com 29 anos, e Duke, de 25.
Nada resume melhor a força e energia contagiante que Keaton conferia a seus papeis do que um comentário feito pela própria ao diretor Rob Reiner: “Eu não atuo, sou apenas quem eu sou”.
Reza a lenda que a figurinista de “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” havia preparado looks muito mais glamourosos para Annie Hall, mas Keaton, ao ver as peças, simplesmente comentou: “Essa não é a Annie”.
No dia seguinte, ela apareceu no set vestindo algumas das peças que viraram sua marca: calça baggy na cor cáqui, chapéu, colete e gravata. A equipe olhou ficou incrédula e até Allen ficou em dúvida, com medo do estúdio não aceitar aquele look, considerado masculino e nada convencional naquela época.
Keaton bateu o pé, explicando sua personagem: “Ela não está tentando ser perfeita. Ela está tentando ser ela mesma”. O resto é história e, com essa postura independente, fiel ao que acreditava, a atriz mudava não só a moda, mas a maneira como Hollywood via as mulheres nas telas e fora delas.
Pesquisa e texto: Eduardo Lucena



