Maquiagem no Cinema entrevista a atriz Renata Vilela

Maquiagem no Cinema entrevista a atriz Renata Vilela

Renata Vilela gentilmente aceitou o convite de conceder uma entrevista para o Maquiagem no Cinema e foi uma jornada inesquecível. Vejam a riqueza que um encontro de camarim proporciona. E isso só acontece quando uma alma toca outra alma… Quantas vezes não desperdiçamos momentos mágicos simplesmente pelo fato de não enxergarmos quem está do nosso lado? Ou maquiamos uma pessoa e esquecemos que por trás de um rosto lindo tem uma história?
Por isso eu amo o cinema, amo as relações que o audiovisual me proporcionou. Acredito que só assim podemos mudar esse mundo, investindo nas relações humanas, e isso vai muito além da maquiagem, não é mesmo?
Eu me emocionei com a história da Renata. E divido tudo aqui com vocês!

Por Mirella Oliveira

Maquiagem no Cinema: Sempre sonhou em ser atriz? Como começou?

Renata Vilela: Eu nunca sonhei em ser atriz, na verdade. Eu, minhas irmãs e meus pais viemos do interior de Sp (Barretos). Meu primeiro contato com a arte foi através de aulas de jazz. Minha mãe achava importante termos contato com a arte e transformarmos nossa realidade, pois vivíamos num apartamento muito pequeno, num lugar não muito bacana… Meu primeiro professor foi Félix de Assis, um professor incrível, formado pela Escola Municipal de Bailado. Ele estimulou minha mãe… Incentivou… “Suas filhas precisam fazer aula de balé clássico, pois elas têm um físico perfeito para isso…” (Olha que olhar humano, né? Estava além da cor da pele…) E víamos o sacrifício deste professor em lidar com a arte. Tenho uma vaga noção, eu era muito pequena mas lembro bem do sacrifício dele. Daquela vontade de ver aquelas alunas se desafiando… E aí minha mãe colocou a gente para fazer aquela audição na Escola Municipal de Bailados, que ele tanto incentivou…
Cheguei lá, um ambiente não muito agradável… Não tínhamos dinheiro para comprar os artigos adequados para a aula (meia, sapatilha, rede no cabelo, etc).
Eu sou caçula (minhas irmãs mais velhas são gêmeas), eu estava em outro nível e minha audição era num outro dia. Lembro de estar de maiô branco de bolinha rosa, minha mãe colocou uma fita na minha cabeça, e eu estava com uma sapatilha que não tinha a ver com a sapatilha de balé, não era adequada. Como minha mãe não tinha conhecimento e também não tínhamos dinheiro, ela colocou o que era possível… O importante era dançar!
E eu me lembro de ser isolada na sala de espera por todas as meninas, eu era a única negra. Todas me olhavam como se eu fosse um “ET”… Chegando na sala da audição – me lembro de uma banca de professores com a expressão bem rígida – e lembro de uma parte que era uma avaliação de potencialidades (articulação, elasticidade, força, flexibilidade), e lembro deles ficarem chocados com meu físico, meus pés, minhas linhas. E cochichavam…
Em um determinado momento da audição tinha uma dança livre, era uma valsa… Eu via que algumas meninas tinham já alguma experiência. Eu acredito que já era uma audição de primeiro ou segundo ano de balé. Não tinha uma leveza no ar, uma simpatia (realmente o balé clássico era assim naquela época, hoje mudou muito, mas era uma coisa meio militar, o método era ainda mais rígido). E lembro de um momento livre da audição, em que as meninas dançaram valsa… E eu dancei qualquer coisa! Eu já estava de maiô de bolinha e o que me veio na mente foi aquela bailarina das caixinhas de música (eu nem tinha isso, éramos pobres, lembro que víamos em filmes). Lembro que ela girava, girava, girava, e foi o que fiz! Fiquei girando feito um peão nesse momento livre.
E aí, claro, não passei… Minhas irmãs também passaram por um outro processo, também não foram aprovadas, também se sentiram hostilizadas… Mas isso não nos desmotivou. Pelo contrário, minha mãe buscou uma força dentro dela, sempre dizendo: “Vocês vão continuar, de um jeito ou de outro, não importa! Vou dar um jeito nisso!”
E em nossa casa sempre respirou-se muita música, arte, dança… Minha mãe sempre dizia que tínhamos que transformar a nossa realidade. Nós tínhamos noção de onde estávamos pisando, do que era possível e onde ela queria chegar com isso.

Maquiagem no Cinema: Fale um pouco mais sobre sua formação e outros desafios que enfrentou a partir desse momento.

Renata Vilela: Assistíamos um programa de dança na TV Cultura, e me impressionava muito algumas escolas… Só que uma me saltava os olhos. Fui procurar na lista telefônica, encontrei e pedi para minha mãe me levar. Ela conseguiu dar um jeito no trabalho dela e me levou. Era uma escola elitizada. Era o segundo ano de balé, pela minha idade e meu físico. Chegando lá a professora me recebeu super bem e foi super cuidadosa. As alunas, claro, ficaram surpresas… Eu, a única negra. Lembro que no final da aula a professora me chamou num canto, e todas em volta, olhando para mim (novamente) como se eu fosse um “ET”. A professora continuou falando sobre como era o método, o que eu precisava aprender, pois a língua era francesa. E ela com muita paciência, dedicação e amor conseguiu me convencer e convencer minha mãe também de que eu poderia continuar. Saímos de lá, lembro que falei para minha mãe, “Eu vou fazer”. E ela também disse: “Você vai fazer, não sei como vou pagar, mas vamos dar um jeito”. Aí conseguimos com muito sacrifício, muito amor, muita luta!

Maquiagem no Cinema: Neste início da carreira, além de todos os desafios, o que te tocou e te deu forças para continuar?

Renata Vilela: Consegui estudar o método Royal de graduação do Balé Clássico… Aí um belo dia fomos assistir um espetáculo no Vale do Anhangabaú, com várias companhias (Cisne Negro, Balé da Cidade de SP, República da Dança) e no fina,l o Ballet Stagium apresenta um Balé chamado “Saudades Elis e Batucada“, um sambão… lindo! Coreografado com técnica de balé clássico… Aí aquilo me pegou num lugar! A ancestralidade! Ahhh, aquilo deu um brilho tão intenso pra mim, pra minhas irmãs… Até que chega uma bailarina solando, negra, Áurea Ferreira, e aí a gente olhou uma pra outra e disse: É possível! Eu quero entrar nesse Balé! Lembro que isso foi num final de semana… Na segunda-feir,a já estávamos lá no Ballet Stagium… Eu e minhas irmãs fomos super bem recebidas. Tivemos, lá, uma jornada longa de estudos, dedicação.. com Geralda Bezerra de Araújo, com quem tive um aprendizado muito rico sobre cultura brasileira, disciplina, danças no geral. Um outro olhar sobre a dança, um olhar humano. Nesse momento eu estava em duas escolas, foi uma loucura para pagar. Mas eu via minha mãe feliz, realizada! O lema dela continuava “transforme sua realidade! A minha, eu não consegui, mas, a de vocês é possível!” E foi assim, o amor por esse Balé. Continuamos só eu e uma das minhas irmãs. Participamos de festivais e depois teve um encontro lindo, quando entrou uma mestra, a Isaura Gusman, que veio do Balé Nacional de Cuba. Deu aulas no Cisne Negro e Ballet Stagium. Esse período foi incrível, foi um reconhecimento tão grande. Uma professora negra (meu professor de Jazz também era negro). Eu tive a sorte de ter referências muito fortes na dança. E ela deu um novo significado para mim, por ser mulher e negra. Ela acabou saindo do Ballet Stagium e formando a Companhia Cumbre de Dança, da qual eu fiz parte por 7 anos.

Maquiagem no Cinema: Foi depois disso que você entrou nos grandes musicais?

Renata Vilela: Sim. Em 2004 tive a chance de participar de uma audição para o Chicago da Broadway, que foi um momento muito marcante em minha vida!
Uma semana de testes, workshop, um método diferente de dança (método Bob Fosse). Veio um americano pra cá, Gary Christ, que foi discípulo de Bob Fosse, dançou muito tempo na Broadway… Eu não passei, mas me lembro do encantamento dele por mim. Lembro de estar com muita personalidade ali! Quando fazemos um teste temos que estar com essa energia, essa preparação toda, para verem que é possível caracterizar esta persona, né? E lembro de ter sido muito marcante… Assisti o filme, e pensava como eu gostaria de ter passado, e eu realmente acreditava que tinha tudo pra passar!
E aí um belo dia, depois de 2 meses da estreia do musical, me chamaram para um novo teste (uma menina saiu), e eu passei! Esse foi um marco na minha carreira! Foi aí que eu entrei no mundo profissional da arte. Eu meio que não sabia que mercado era aquele, onde eu estava entrando. Eu nem sei dizer se estava realizando um sonho… para o momento era, pois eu tinha o desejo de entrar naquele musical. E eu tinha o sonho de ser bailarina, mas atriz e cantora, era uma coisa tão distante!
Antes disso, me dediquei a carreira de modelo, tentei, não foi fácil. Sabemos que com todo esse processo histórico, o racismo estrutural, a limitação era muito grande e ainda é. Hoje estamos vendo uma transformação.
E foi assim que entrei nesse mercado, através do Balé. O teste teve canto e eu nunca tinha tido uma aula… Performei e fui aplaudida! Eu pensei: “Meu Deus, eu tenho esse talento?” Saí meio embasbacada do teste. “Eu fui aplaudida? Como assim?” Meio sem noção de onde estava pisando, do meu talento.


Renata Vilela, Katia Barros e Claudia Raia no Musical “Sweet Charity”

Maquiagem no Cinema: E depois disso você engatou em outros musicais?

Renata Vilela: Sim. Aí entrei nesse mercado e vi que precisava aperfeiçoar. Foram surgindo outros testes, fui sendo aprovada… Meu segundo musical foi Sweet Charity, com Cláudia Raia, fui uma das principais (eu e a Kátia Barros), e aí a necessidade de aprimorar, se afinar com esse mercado, ficou cada vez mais clara pra mim. Você precisa se dedicar! E a gente vem de uma defasagem financeira… Eu dava aula de balé, ganhava muito pouco, não ganhava na companhia, pois não tinha patrocinador.

Do Sweet Charity, surgiu a oportunidade de fazer Os Produtores, de Miguel Fallabella, e o convite para a novela na TV Globo, escrita por Miguel e dirigida por Mauro Mendonça… Eu fui simplesmente entrando, as portas foram se abrindo pra mim. Não foi fácil, a gente precisa se dedicar, precisa ter grana pra isso… Mas eu fui muito com essa energia da minha mãe (“Você consegue, vai, transforma, abraça tudo o que vier de bom, que vai fazer você se desenvolver, se sentir parte desse mundo”). E então pude experienciar a televisão. Foi um momento muito diferente pra mim, por não ter tido contato antes. Fiz aulas de teatro livre do grupo TAPA e tive um worhshop de câmera. Eu não tinha noção de como me colocar diante da câmera. Mas tinha talento. Tanto que o Miguel viu isso! E me convidou… A impressão que eu tive ao fazer televisão era assim: “Nunca erre, você é negra”. Parecia a última oportunidade, tinha que agarrar como a última, não podia encarar como uma experiência. Não se perde tempo dentro de uma emissora como esta. Enfim, tive experiências muito incríveis, e outras que me frustraram… Experiências que me deram mais vontade de aprimoramento. A TV foi um elemento além de dançar, cantar, atuar… Aí começou a despertar outros interesses: Tem vários caminhos na arte para seguir!

Renata Vilela atuando, na OFICINA DE TV E CINEMA TAKE A TAKE (Separação)

Maquiagem no Cinema: Quando sentiu um amadurecimento nesta carreira?

Renata Vilela: Foi aí que o mercado de musicais virou meu sustento. Estou nele há 15 anos. E amo fazer teatro musical, acho que é um desafio. Se um ator tiver uma possibilidade, tem que se lançar, porque é um lugar do sacerdócio, disciplina, cuidado. Trabalhamos com esquema franquia aqui no Brasil, musicais vindos de fora. Temos que lidar com a competição, os perfis… Eles se preocupam muito em fidelizar as marcas. Adaptações não são bem vindas, o perfil é rigoroso. Seguem essa partitura, essa regra.

Agora estamos fazendo musicais biográficos aqui no Brasil, e também escrevendo. Estão surgindo muitos! Fiz o “Ombela – A Origem das Chuvas“, que foi um musical muito importante pra mim, para meu auto-conhecimento. Musical infantil dirigido por Arlindo Lopes. Tive uma experiência fantástica com ancestralidade, cultura africana, cultura brasileira. Foi um presente ter feito esse musical o ano passado. Ganhamos vários prêmios… Sou muita grata a esse universo todo que estou, e sempre acho que existe espaço pro maior, acho que é sempre possível. Eu como mulher, negra, sempre tenho muita esperança, quando estou realizando um projeto como esses. Meu ano começou a brilhar em relação a isso.


Musical “Ombela – A Origem das Chuvas” premiado pelo CBTIJ de Teatro

Outra grande experiência que tive com a Broadway foi “O Rei Leão”. Foi um marco na minha vida. Começamos em 2013 e ficamos dois anos em cartaz. Eram oito apresentações por semana! Reconhecimento, ancestralidade, foi um momento de ressignificar nossas estruturas, nossos valores. Conheci César Melo, meu marido, ator, cantor, escritor. Sempre incentivamos um ao outro, a gente tá sempre estudando, desenvolvendo projetos. Quando tem a oportunidade, fazemos teste juntos, estamos sempre dando força um pro outro.


Personagem “Sarabi”
Musical “LION KING” Brasil

Maquiagem no Cinema: Agora, conte-nos um pouco mais sobre sua experiência no audiovisual.

Renata Vilela: Contei um pouco de minha experiência em telenovelas, foi maravilhosa, só acho que precisamos ter mais oportunidades. Até porque a ela nos permite explorar nossas capacidades, isso é claro. Mas essa coisa da oportunidade precisa ser mudada o mais rápido possível. Está acontecendo um movimento interessante, e a gente também tem que entender que isso é fruto da luta dos movimentos sociais.

Em 2017 eu comecei a trabalhar em longa-metragem, o que me levou à paixão pelo set de filmagem. A forma como é feita, a dedicação de todos os profissionais, a sensibilidade dentro de uma direção me provocou bastante. Recentemente participei de duas séries. Uma delas foi “Onisciente”, a qual tive a oportunidade de ver um set dirigido por mulheres, e ainda roteirizado por uma mulher negra! Shu Maria. Isso me deixou muito feliz. A gente se sente seguro. A sensação é de estar no lugar certo: Quando falamos de transformação, quando ocupamos esses lugares de fato.

Maquiagem no Cinema: O que você tem curtido como espectadora?

Renata Vilela: O cinema sempre fez parte da nossa vida. Minha irmã Rose tinha o sonho de ser cineasta. Alugávamos filmes toda sexta-feira, numa locadora no Copan e lá a gente já diversificava bastante. Assistíamos de tudo: Blockbusters, filmes de amor, sessão da tarde, filmes cabeça, existencialistas. Frequentávamos o antigo Espaço Unibanco, as Mostras do Cine Sesc (lá assisti “Morte em Veneza“, “O Joelho de Claire“, e outros filmes de Éric Rohmer), Centro Cultural (onde assisti “O Enigma de Kaspar Hauser”, que me marcou muito). Nesta época, conheci através da minha irmã, o cinema de Kieślowski (Krzysztof), ela era fã e vivíamos assistindo sua trilogia em casa.

Hoje eu já estou voltada para outras questões. Com a maturidade, o engajamento, você percebe que precisa abrir ainda mais a sua percepção em relação à diversidade. Graças a essas novas plataformas, estamos entrando em contato com outros universos.

A mesma reflexão faço com relação ao cinema brasileiro. Na adolescência eu não tinha tanto interesse como tenho hoje. O cinema nacional ganhou uma visibilidade maior para minha geração e as futuras, pela qualidade das histórias, os roteiros, que têm sido cada vez mais interessantes. Vejo diretores fantásticos surgindo. Para mim está sendo um despertar para essa nova realidade. É bom saber que nosso cinema tem tido mais investimentos. E isso vale para as séries também. As minhas obras brasileiras preferidas desta nova geração são: Central do Brasil, Aquarius, Brother, Entre Nós, Irmã Dulce, Sequestro Relâmpago, Grande Circo Místico, Simonal.

Minhas referências internacionais mais atuais têm filmes como Moonlight, Rafiki, Assunto de Família, Parasita, Rainha do Katwe, Timbuktu. Também ando acompanhando bastante o cinema indiano. Através de sua filmografia soube, por exemplo, da questão da luta por banheiros na Índia, e penso: Como o cinema nos permite ir tão longe e desempenha um importante papel político e social!

Algumas séries também têm me impactado: “Scandal“, que tem Kerry Washington como protagonista. Isso me encheu os olhos. Me fez enxergar que é possível fazer cinema. Quando soube que a diretora era Shonda Rhimes, fiquei muito feliz!

Orange is the New Black” me encantou pela diversidade e potência daquelas mulheres. “How to Get Away With Murder” também, quem é essa mulher? Que escândalo é a Viola Davis num personagem tão misterioso, que nos faz refletir sobre tantas questões e humanizar! Eu, como mulher negra achei de uma genialidade!

Hoje estou procurando diversificar, mudar meu olhar, corresponder um pouco à minha carreira, até pra eu entender o que quero pra mim, o que é possível, o que que eu aspiro como artista. Pois além da profissão, uma função social. Principalmente nestes dias em que estamos vivendo é muito importante pensarmos sobre o espaço que queremos ocupar.

Maquiagem no Cinema: Falando em movimentos sociais…

Renata Vilela: Eu ando assistindo muitas séries, eu e meu marido aqui em casa. E temos notado uma aproximação dessa realidade. Esse olhar, né? Fico encantada com as sutilezas dessas performances, desses atores… E ifco cada vez mais apaixonada e com mais vontade de fazer. Porque é um desafio muito grande. Isso te traz para sua realidade, ao mesmo tempo que cria essa ilusão e é uma sacada genial porque acaba trazendo ganchos para outras temporadas, essas nuances, esses silêncios, esses tempos, essas respirações, esses subtextos que a gente fica sempre na dúvida… Então para mim tá sendo cada vez mais apaixonante, quero estar sempre que eu puder num set de filmagem. E, falando em movimentos sociais, vi essa transformação aqui mesmo, em casa. Meu marido protagonizou dois longas. Isso deu uma motivação tão grande, uma esperança! Uma força para querer continuar, para entender que é esse o lugar que a gente tem que chegar, humanizar nossos personagens, trazer histórias que estimulem a gente a entender que é possível chegar lá. É claro que tem todo um caminho, a gente vive realidades muito diferentes, em termos de Brasil. Mas a nossa geração está vendo as coisas acontecerem, tenho gratidão por saber que isso é um fruto diário de lutas, brigas, e resiliência. Essa é a palavra.

Maquiagem no Cinema: Como foi (e é) sua experiência com comerciais?

Renata Vilela: Meu primeiro foi em 1999/2000, para o Mac Donalds, e depois foi lá para 2003/2004, num momento que eu estava precisando, fazendo aula de balé, companhia, era uma época de vacas magras… Fiz uma sequencia de filmes para Pernambucanas, foi muito legal. Teve um que me marcou muito em 2011, num momento em que eu estava muito questionadora, curiosa, buscadora, fazendo terapia (ainda faço), mas estava num momento de muitas descobertas… Foi um comercial para uma marca de cosméticos, e foi muito especial. O teste foi especial. E coincidiu com o teste para a novela. Fui editada mas estava presa com a resposta da Globo, e acabou que quase desisti do comercial e o diretor pirando… Eu estava apenas editada, e falei para a produção: “Pede pra ele procurar outra, fazer teste com outra, estou sentindo que vou fazer essa novela”… Aí o diretor foi em vários estados procurar o meu perfil, e encanou comigo. É que realmente foi um teste muito especial, de contar história, e eu tava num momento que fez sentido algumas verdades, eu me expressei bem em relação a isso, pois normalmente acho até que sou um pouco calada em relação a essas questões. Ele se entusiasmou e não achava ninguém. Lembro que ele queria fazer dois contratos, um para quando estreasse a novela, outro caso eu não fosse aprovada. Foi um comercial muito respeitoso, equipe toda, direção, uma energia maravilhosa…
Claro, já peguei também perrengues de comercial, set de filmagem onde a equipe não se compreende, a questão da pele, do negro, o cabelo… Hoje estamos em uma aceitação de nosso cabelo, de nossa ancestralidade… Mas para muita gente ainda não caiu a ficha, então percebo que tem uns lugares que você precisa se colocar, ter inteligência para se colocar, porque a gente precisa trabalhar. Humildade, porém sabedoria, sempre!
O que me pega, às vezes, não é nem produção, é cliente, né? Muitas vezes o cliente não tá sacando que a gente tá num novo momento da história. A gente tem que estar sempre preparado, não digo armado, mas preparado pro lugar que você vai ocupar, pra propaganda que você vai fazer. Porque a gente ainda lida com essa questão de cotas, né? Não chegamos na normalidade humana, que é o talento, a beleza, a competência, a capacidade. Claro que tem esses componentes, são necessários, mas existe ainda esse lugar que não é uma coisa normalizada. Nessas histórias, em cada projeto, vou descobrindo o quanto é importante ver, reconhecer a maturidade, os caminhos, se apropriar do conhecimento e saber se colocar, sempre à medida de que se é respeitado também, né?

Maquiagem no Cinema: Fale sobre ser mulher e negra no Brasil

Renata Vilela: O feminismo é uma questão muito ampla, tem muitas perspectivas diferentes, falamos de acessos, direito à vida, taxa de mortalidade, índices de violência, escolaridade e tem muitas questões importantes e marcantes. Por exemplo, o assassinato brutal da deputada Marielle Franco, eclodiram vozes e percebemos que é uma luta que não tem retrocesso, o lance do “ninguém solta a mão de ninguém”, criamos raízes. E eu como artista, tô aqui sempre agradecendo aos meus ancestrais pela vida, pela oportunidade, por entender, por me desenvolver o máximo que eu posso. Honrar e honrar de verdade. Entendo que o meu movimento dentro do audiovisual é um movimento político, é o movimento da sociedade. Estremece a pirâmide, entende? E tem algo muito importante que eu penso – que é independente da crença – nós viemos de uma fonte, uma fonte universal. Sempre acreditei que somos perfeitos, só que nesse estágio de consciência, nem todos têm capacidade de perceber. Para perceber, precisamos abrir mão de muitas coisas que nos foram impostas e valorizadas ao nível máximo. Precisamos entender que nós somos capazes de criar nossa realidade, pois viemos de uma fonte criadora. A arte representa um pouco esse macrocosmo, e acredito que nós somos capazes, sim, e cada vez mais estou ciente do meu propósito de ser artista, de poder criar, inspirar e dar um pouco esperança. A arte nos dignifica também. Na quarentena, eu e meu esposo, temos feito vídeos cantando. Não tínhamos pretensão alguma, mas isso está criando uma força muito bacana, nos trazendo um pouco de paz, um pouco de ar. A pandemia fala muito da questão da respiração. A quantidade de informações, vivendo dentro de isolamento, as desigualdades sociais aparentes, tudo isso nos faz criar alternativas para podermos no fortalecer, e tentar nos salvar. Esperamos estar cada vez mais com essa intenção, já que precisamos sair com sanidade mental, física, moral e que possamos também transmitir essa energia criadora, essa potência divina que todo mundo pode acessar um dia. Tenho pensado muito nisso.

Renata Vilela e seu esposo, César Melo, em um dos vídeos de música, que tem encantado os seguidores. Vale a pena conferir!

Maquiagem no Cinema: Quais seus projetos e qual sua visão para um futuro depois desta pandemia?

Renata Vilela: Estava trabalhando bastante no começo do ano, cotada para um projeto legal na TV (Passa logo pandemia! Risos)… Agora não sabemos quando voltaremos… Além disso, eu e meu marido vamos lançar um single e vou dirigir nosso clipe.. Estamos em processo de criação… E tenho mais 3 projetos para quando isso acabar, mas ainda não posso falar… Aguardem novidades!

É isso, vamos alimentar nossa esperança, diariamente, tem dia que a gente não tá bem, e temos que ter paciência.

Por fim, espero que toda essa mobilização que está havendo, principalmente neste momento da pandemia, essa sensibilização e engajamento com a causa negra, que isso não enfraqueça, que não seja só um modismo, que não se perca de vista.

Agradeço a oportunidade de dividir minha história e que possa contribuir e inspirar mais pessoas através das minhas experiências!



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